Resenha: Epicuro Em Meu Jardim – Marcos Welinton Freitas

maio 18 2017

Epicurismo: sistema filosófico que prega a procura dos prazeres moderados para atingir um estado de tranquilidade e de libertação do medo, com a ausência de sofrimento corporal pelo conhecimento do funcionamento do mundo e da limitação dos desejos.“.  Você já perdeu alguém que amava tanto que ao se deparar em um mundo sem ele nada faz mais sentido inclusive aquilo que fazia você ser quem é? O livro de hoje é uma obra que irá retratar com fidelidade e filosofia o estado após a morte de alguém que teve um amor tirado abruptamente de si; é um enredo sobre perdas e reencontros, sobre arte e prazer, sobre  seguir em frente quando já não se via mais porquês, mas principalmente sobre a vida e a forma inusitadas que ela tem de fazer prevalecer sua vontade independente de justiças e querer. Prepare-se para conhecer um livro tão recheado de sentimentos que é impossível ficar alheio a ele e seus personagens! Escrito por Marcos Welinton Freitas  e publicado pela Multifoco, Epicuro em Meu Jardim é uma reflexão sobre a vida e principalmente sobre cada um de nós! Vem conferir:

A vida às vezes nos põe no pelourinho, abrindo em nós feridas que parecem que nunca cicatrizarão, foi assim com Hedonê. Após perder o grande amor da sua vida em circunstâncias fatais, a tristeza abraçou-a de tal modo que até a única coisa que podia salvá-la de si mesmo ela perdeu, a sua literatura. A poesia deixou de fazer-lhe companhia, e ela se tornou uma escritora falida, sem muito o que dizer do mundo, e sem interesse de permanecer viva. Para aplacar sua dor e sentir-se como antes, buscando o seu antigo eu perdido, Hedonê se veste com toda a sua luxúria e sai às ruas da cidade à procura de corpos que possam lhe proporcionar o prazer que haverá de lhe afastar da dor. Nessa busca compulsiva por uma saciedade perdida, ela acaba conhecendo Eros, um jovem e belo fotógrafo que a arranca da sua zona de desconforto e a faz repensar a sua vida e a sua obrigação de seguir em frente, mesmo após tudo o que fora tirado dela.

Avaliação: 5/5 estrelas

Mas a vida nunca nos dá o direito à certeza; nos embrenhamos em caminhos muitos, mas sempre existe a possibilidade de quebrarmos a cara, de nos arrebentarmos diante das nossas próprias escolhas. E mesmo quando não se tratam de escolhas nossas, acabamos nos ferindo, acabamos nos destruindo. Pois a vida, a vida, tem uma forma cruel de nos mostrar a sua força.

Diariamente vestimos máscaras, interpretamos papéis e nos tornamos aquilo que precisamos ser. Hedonê, desde a morte daquele que mais amou, vem interpretando seu mais novo papel e buscando o prazer nos mais diversos lugares em busca de se reencontrar e reencontrar aquilo que lhe faz tanta falta quanto o único homem que entendia como toca-la da forma correta: a poesia. 

Roubada de si mesma e tendo perdido sua inspiração desde a fatalidade haver se alojado em seu cotidiano, ela não consegue mais escrever e não vê mais sentido em nada de sua vida… É por isso que tentando se encontrar acaba se perdendo em diversos homens todas as noites, mas sem nunca conseguir atingir sua satisfação e chegar ao ápice do prazer: seu gozo.

A poesia deveria vir até mim, como num ímpeto. Devir vir inominada, como no gozo. Apenas o estado em que o corpo se concentra em um único sentido, o tato. Mas a poesia vem até mim dilacerando toda a minha estrutura. Costura-se em minhas artérias e vaza pelos meus olhos, pela minha boca, pelos meus dedos. Todos os sentidos se perdem e se reencontram. A poesia me torna, me assalta, antecede o meu desejo. Eu só tenho desejo no poema.

Em busca de inspiração, e já desacreditada que fosse capaz de encontrar alguém como o amor que teve, ela sai para um de seus inúmeros passeios onde acaba em uma galeria. Lá um misterioso homem ganha sua atenção ao abordá-la de forma inusitada e instigante.

Eros, um homem de tirar o fôlego, envolverá Hedonê, “a personificação do prazer e da luxúria”, de uma forma que ela jamais imaginou ser possível. Se sentindo culpada e como uma traidora ela irá buscar respostas no único lugar que ela acredita que poderá encontrá-la, na taróloga onde tudo começou. 

Andei naquele dia pelas ruas da cidade, feliz, arrependida e incompreendida por mim mesmo. Uma grande tempestade nascia na minha alma, eu estava chegando perto da minha própria completude, mas a minha culpa insinuava a minha falha, e eu não sabia o que fazer.

Pega em um misto de sentimentos, Hedonê, terá que lidar com uma dualidade de sentimentos tão parecidos e tão distantes dentro de si. Por um lado o amor por aquele que partiu, por outro a possível aproximação de um novo amor; mesmo que a principio esteja apenas disposta a entregar seu corpo e proteger seu coração… Mas a vida é um jogo que adora brincar e que não está disposta a entrar para perder, e sendo assim, só restará a ela entender a luta interna que habita dentro de si pelos resquícios deixado pelo que já se foi e achar uma forma de ressurgir e seguir em frente. Será que ela conseguirá se entregar nas mãos de um novo amor? Ou a dor que envolve seu ser será tão forte que ela será incapaz de reencontrar a inspiração de ser quem é que há muito a deixou?

“A vida é um jogo clichê, em e ué se não se segue o trilho que fora traçado para você, é como se estivesse tentando cometer um suicídio, pois os mares que se formam com o tempo sempre te arrastarão para o ponto de partida, e daí nascerá uma impossibilidade, um muro, uma barreira, que te afastará da tua coragem e do teu eu, e te deixara perplexa com a força com que te tomará.”

Arte e sexo se misturam em um inteligente e instigante enredo moldado com requinte e dedicação. Com um erotismo na medida certa, o autor é capaz de trazer a trama o leitor que acompanhará a libertação de uma poetisa que se encontra presa em seu jardim. Feito para ser sentido de forma profunda e encarado com despudor, essa obra é mais do que apenas sobre Hedonê, é sobre o eu de cada um e as verdades que o acompanham. Ao se reencontrar no meio de prazer e poesia, a protagonista nos convida a desnudar seus mistérios e mergulhar na mistura de corpos em busca da satisfação.

Composto por citações de grandes poetas nas quais a poetisa se reveste, o autor Marcos Welinton, soube agregar cultura ao citar em sua trama grandes composições de nomes como Hilda Hilst e Lya Luft, além de grandes autores como Charles Baudelaire e Carlos Drummond de Andrade. Através desses textos, Hedonê será capaz de se desprender da prisão que seu jardim se tornou para ela, fazendo com que ela se livre dos incômodos da sociedade que a cercam, e enterre as dores que a habitam… Pequenos detalhes que a um primeiro olhar poderiam ser irrelevantes, são o diferencial entre uma obra aceitável e uma boa obra; cada parte tem sua essência e tudo se encontra e compõe a grande trama que habita em Epicuro em Meu Jardim.

Desde já afirmo que essa não é uma obra para todos; sendo apenas aqueles que estão dispostos a se entregar sem pudor e ressalvas a construção de um enredo que mistura a Deusa do prazer e o Deus do amor em busca do epicurismo em sua forma mais pura. É um convite a entrega em sua imensidão que te cobra que você se deixe levar pelo  prazer de uma boa escrita concomitantemente ao prazer de um enredo complexo e instigante, assim como ao prazer de uma personagem que está ali para te levar ao ápice do ser ao se reencontrar!

Definitivamente, assim como o aviso encontrado ao inicio, a obra que a um principio engana com sua pouca quantidade de páginas te cobra que você se lance sem ressalvas ao conteúdo. “Afinal, quanto de prazer você consegue suportar?”

Um beijo